Falei muitas vezes à minha hospedeira da extrema moderação do cavalheiro e ela respondia-me estar convencida de que era assim por princípio; pensava, no entanto, que devia esperar dele qualquer recompensa pela minha companhia, pois ocupava-me muito tempo e raramente estava longe dele. Declarei-lhe que não lhe dera o mínimo motivo para pensar que desejava ser gratificada ou que aceitaria alguma recompensa e ela redarguiu-me que se encarregaria desse pormenor. E fê-lo, de facto, com tanta habilidade que, a primeira vez que ficámos sós os dois, depois de ela lhe falar, começou a fazer-me perguntas acerca da minha situação, de como subsistira desde que desembarcara, e a indagar se não precisava de dinheiro. Respondi-lhe corajosamente que, apesar de o meu carregamento de tabaco ter ficado danificado, não se perdera inteiramente, que o merca- dor a quem vinha consignado se comportara tão honestamente comigo que ainda não tivera falta de dinheiro e que esperava, graças a uma vida frugal, fazer chegar o que tinha até receber o que calculava viesse no próximo barco. Entretanto, reduzira as minhas despesas e prescindira da criada que tivera na estação anterior, tinha apenas um quarto no segundo andar, em vez do quarto e da sala de jantar que tivera no primeiro andar, como ele sabia, etc. «Mas», afirmei-lhe, «vivo tão satisfeita agora como vivi então.» Acrescentei que a sua companhia me ajudara a viver muito mais alegre- mente do que viveria se a não tivesse, pelo que lhe estava muito grata, negando-lhe assim todo o ensejo de me oferecer qualquer presente.
No entanto, não passou muito tempo sem que voltasse à carga e me dissesse estar convencido de que não tinha coragem para lhe confiar a ver- dade da minha situação, o que lamentava; informara-se, declarou, sem intuito de satisfazer a sua curiosidade, mas apenas com o desejo de me ajudar, se fosse possível.
