De facto, verifiquei frequentemente, e isto fica como um aviso aos leitores desta história, que devemos ter cautela ao condescender com as nossas tendências para liberdades lascivas e impudicas, pois não raro as nossas resoluções de virtude caem por terra quando mais precisa- ríamos delas.
É verdade, e já atrás o confessei, que desde a primeira hora do nosso conhecimento resolvera consentir que me possuísse, se mo propusesse, mas apenas porque precisava do seu auxílio e não sabia de nenhuma outra maneira de o prender. Mas, quando passámos aquela noite juntos e, como já disse, fomos demasiado longe, compreendi a minha fraqueza. O desejo era irresistível e tive de ceder tudo antes mesmo de ele o propor.
O meu amigo, porém, foi tão justo para comigo que nunca mo censurou nem tão-pouco exprimiu o mínimo desagrado pela minha conduta em qualquer ocasião; pelo contrário, afirmou-se sempre tão encantado com a minha companhia como na primeira hora das nossas relações de companheiros de cama.
É verdade que não tinha mulher, isto é, que a esposa não o era na ver- dadeira acepção da palavra, e por isso eu nada tinha a recear desse lado; mas, muitas vezes, os justos escrúpulos da consciência chegam para arrancar um homem dos braços de uma amante, como mais tarde aconteceu com ele.
Por outro lado, embora a minha própria consciência me verberasse também, secretamente, a vida que levava, até nos momentos de maior satisfação, a perspectiva terrível da fome e da pobreza atormentava-me como um espectro ameaçador e não me permitia olhar para trás. Fora a pobreza que me arrastara para aquela situação e era a pobreza que me prendia a ela, mas muitas vezes prometi a mim mesma acabar com tudo se conseguisse juntar dinheiro suficiente para me manter.
