Voltei na tarde seguinte, como ficara combinado, e levei a minha criada comigo, para que visse que a tinha, mas mandei-a embora assim que entrei. Disse-me que a deixasse ficar, mas não aceitei e ordenei-lhe, em voz alta, que viesse buscar-me cerca das 9 horas. Foi a vez de ele dizer que não e de se prontificar a levar-me pessoalmente a casa, proposta que não foi muito do meu agrado por recear que tivesse a intenção de saber onde eu vivia, para se informar da minha situação e do meu comportamento. Resolvi, no entanto, correr esse risco, pois tudo quanto os da casa ou da vizinhança sabiam a meu respeito só me beneficiava. Se indagasse, dir-lhe-iam que era mulher de haveres, muito modesta e recatada - o que, fosse verdade ou mentira, só prova quão necessário é para qualquer mulher com pretensões preservar a reputação da sua virtude, ainda mesmo quando tenha sacrificado a virtude propriamente dita.
Verifiquei, com certo prazer, que me preparara uma ceia e, também, que vivia muito decentemente e tinha uma casa muito bem mobilada. Tudo isto me agradou sobremaneira, pois já o considerava meu.
Tivemos segunda conferência acerca do assunto debatido na véspera e ele soube defender muito bem a sua situação, protestando dedicar-me um afecto do qual eu não tinha, na verdade, motivo para duvidar. Afirmou que gostara de mim logo no primeiro encontro e muito antes de lhe dizer que lhe confiaria os meus bens. «Não se trata de saber quando começou, mas, sim, se durará», pensei. Acrescentou que o cativara muito a minha proposta de lhe confiar os meus bens e de lhos deixar por minha morte, e eu disse para comigo: «Era isso mesmo que eu queria, embora, então, pensasse que também eras solteiro.»
Depois de cearmos notei que insistiu muito comigo em que bebesse dois ou três copos de vinho, o que declinei, contentando-me apenas com um.