No entanto, o meu caso era deveras deplorável, visto encontrar-me sem amigos, desamparada, e o prejuízo que o meu marido sofrera haver reduzido tantos os seus meios que, embora não tivesse endividada, compreendia perfeitamente que não poderia viver muito tempo com o que tinha. O dinheiro sumia-se nos gastos do dia-a-dia e, como não entrava nem um xelim, em breve estaria todo gasto e me encontraria na mais negra miséria. Esta perspectiva impunha-se com tanta intensidade ao meu espírito que chegava a parecer-me já uma realidade, não obstante estar ainda longe. As minhas apreensões duplicavam a minha angústia, pois, quando gastava uma moeda num pão, imaginava que era a última que me restava e que no dia seguinte jejuaria e acabaria por morrer de fome.
Não tinha, no meio do meu desespero, um amigo que me confortasse ou aconselhasse. Chorava e atormentava-me noite e dia, torcia as nãos E, às vezes, tresvariava como se estivesse louca e, para ser sincera, muitas
Vezes me têm admirado de não haver, de facto, ensandecido, pois era tão grande a melancolia que com frequência a razão se me perdia em fantasias e imaginações.
Vivi dois anos nesta triste situação, gastando o pouco que tinha chorando sem parar a minha infelicidade, morrendo, em suma, aos poucos, sem a mínima esperança de auxílio celeste ou terreno. Depois de chorar Tanto e durante tão longo tempo que as lágrimas se tinham, por assim dizer, exaurido, começou a sentir-me desesperada, pois empobrecia a olhos vistos.
Para economizar, abandonara a minha casa e hospedara-me noutra e, pelo mesmo motivo, vendi a maioria dos meus bens, o que rendeu algum dinheiro e que me permitiu viver cerca de um ano, com muita parcimónia e a máxima poupança. Mesmo assim, sempre que pensava no futuro, sentia o coração pesar-me perante a aproximação inevitável da miséria e das necessidades.
