Não existia já, no meu caso, a tentação da necessidade, quase sempre culpada de nos lançarmos em tal senda, pois possuía cerca de quinhentas libras em dinheiro e, com esse pecúlio, podia viver desafogadamente, se me dispusesse a retirar-me. Mas, como disse, tinha tanta vontade de o fazer como quando dispunha apenas de duzentas libras e não vira ainda, diante dos olhos, os exemplos terríveis que narrei. É evidente, portanto, que, uma vez endurecidos no crime, nenhum medo nos detém, nenhum exemplo nos adverte.
O cruel destino de uma camarada minha atormentou-me durante muito tempo, mas até isso acabei por esquecer, embora tenha sido um caso deveras triste. Certa ocasião apoderara-me de uma peça de excelente da- masco numa loja de fanqueiro, saíra com ela sem novidade e entregara-a, a saída, à minha companheira, seguindo depois uma para cada lado. Não passara muito tempo, contudo, sem que o lojista desse por falta da mercadoria e mandasse empregados seus seguirem-nos, em ambas as direcções, não tardando a apanhá-la com a peça. Quanto a mim, tivera a sorte de entrar numa casa onde havia uma loja de rendas, ao cimo de uma escada, e de ver com satisfação - diria melhor com terror -, pela janela, a pobre criatura ser arrastada em triunfo e levada à presença do juiz, que a mandou para Newgate.
Tive o cuidado de não tirar nada da loja de rendas, limitando-me a remexer nas mercadorias, para gastar tempo, e a comprar e pagar alguns metros de galão. Saí com o coração triste de pena pela pobre mulher, que sofria pelo que eu própria roubara.
Mais uma vez tive razões para me congratular pelos cuidados de que sempre usava, pois, apesar de roubar muitas vezes com companhia, nunca dizia a ninguém quem era nem onde vivia, nem esses companheiros de acaso conseguiam descobrir a minha morada, não obstante tentarem frequentemente seguir-me.
