Por isso mesmo mais desejara ainda voltar a ver-me, pois, se pecara uma vez comigo contra a virtude sem consequências nefastas, podia arriscar-se sem perigo a fazê-lo de novo. Em resumo, aconteceu o que eu esperava e que não posso relatar.
A minha velha governanta previra-o tão bem como eu e, por isso, conduzira-o a uma sala onde não se via nenhuma cama, mas onde havia um compartimento que a tinha. Aí nos acolhemos e, passado um bocado, ele deitou-se e ficou a noite toda. Eu retirei-me, mas voltei despida, antes de ser dia, e fiquei com ele até de manhã.
Assim, como verificais, o facto de cometer um pecado uma vez é um triste pretexto para o repetir, pois o remorso e as recriminações esquecem- -se quando a tentação se renova. Se eu não houvesse consentido em voltar a vê-lo, o desejo pecaminoso que o possuía ter-se-ia esfumado e, provavelmente, não voltaria a pecar com mais ninguém, como acredito que nunca pecara antes.
Antes de sair, perguntei-lhe se estava certo de que não fora outra vez roubado. Respondeu-me estar tranquilo a esse respeito, assim como ter a certeza de que podia confiar em mim, e, levando a mão ao bolso, deu-me cinco guinéus, que foram o primeiro dinheiro que daquele modo ganhava havia muitos anos.
Visitou-me várias vezes, mas nunca se decidiu por uma manutenção fixa, como eu desejaria. Uma vez perguntou-me de que vivia e apressei-me a afirmar-lhe que jamais seguira o caminho que seguia com ele, mas que trabalhava de agulha e me ia mantendo assim, embora com muita dificuldade e muito trabalho.
Pareceu impressionado por ter sido a primeira pessoa a conduzir-me para tal senda, o que, jurou-me, jamais fora sua intenção, e confessou-se comovido por ser o causador do seu pecado e do meu. Falava muitas vezes, com arrependimento, no pecado em si e nas circunstâncias especiais em que fora para ele arrastado, dizendo que o vinho lhe acordara o desejo, que o Demónio o levara para o local indicado e que encontrara aí o objecto da tentação.
