Por isso, muitas vezes pensei para comigo que era duplamente injusto enganar tal homem; mas a necessidade impunha-me uma solução adequada às minhas circunstâncias e era a única culpada do meu procedimento. Além disso, o seu afecto por mim e a sua bondade natural, embora me tornassem doloroso enganá-lo diziam-me que aceitaria melhor a decepção do que qualquer tratante com mau génio que tivesse a recomendá-lo apenas aquelas paixões que servem somente para que uma mulher seja infeliz a vida inteira.
De resto, apesar de tantas vezes ter brincado com ele (como ele supunha) acerca da minha pobreza, quando verificasse que a mesma era verdadeira, não poderia protestar, pois ele próprio declarara, fosse a sério fosse a brincar, que me aceitaria sem querer saber do meu dote, e eu, fosse a sério fosse a brincar também, lhe afirmara ser muito pobre. Numa palavra, tinha-o preso de duas maneiras e, ainda que mais tarde pudesse dizer que fora logrado, jamais poderia afirmar que fora eu quem o lograra.
Assediou-me mais insistentemente depois daquela manhã, e eu, já sem medo de o perder, fingi-me indiferente durante mais tempo do que, noutras circunstâncias, a prudência recomendaria. Mas reflectia que essa precaução e essa indiferença seriam uma vantagem mais para mim, quando chegasse a altura de lhe confessar a minha situação. Aumentei sobretudo de cautelas por perceber que ele deduzira do meu procedimento, como era lógico, que eu tinha mais dinheiro ou mais astúcia do que constava e não se arriscaria.
Um dia, depois de conversarmos muito a sério, ousei dizer-lhe que, na verdade, recebera dele tratamento e consideração de namorado, pois que me aceitaria sem averiguar a minha fortuna, e, por isso, procederia com ele do mesmo modo, isto é, também não averiguaria a sua, embora esperasse que me permitisse fazer-lhe algumas perguntas, às quais responderia ou não, como lhe aprouvesse, e que, no último caso, me não ofenderia.
