E o Silvério sorria, com bondade:
- Nada, este é sãozinho... Coitado, assim amarelito e enfezadito porque... Que quer Vossa Excelência? Mal comido, muita miséria... Quando há o bocadito de pão aquilo é para o rancho. Muita fomezinha, muita fomezinha.
Jacinto pulou bruscamente da borda do carro. - Fome? Então ele tem fome? Mas há aqui fome? Os seus olhos rebrilhavam, num espanto comovido, em que pediam, ora a mim, ora ao Silvério, a confirmação desta miséria insuspeitada. E fui eu que esclareci o meu Príncipe:
- Está claro que há fome, homem! Tu imaginavas que o Paraíso se tinha perpetuado aqui nas serras, sem trabalho e sem miséria... Em toda a parte há pobres, mesmo na Austrália, nas minas de ouro. Onde há trabalho há proletariado, seja em Paris, seja no Douro...
O meu Príncipe teve um gesto, de aflita impaciência: - Eu não quero saber o que há no Douro. O que eu pergunto é se aqui, em Tormes, na minha quinta, dentro destes campos que são meus, há gente que trabalhe para mim, e que tenha fome, e criancinhas, como esta, esfomeadas? É o que eu quero saber.
O Silvério sorria, respeitosamente, perante aquela cândida ignorância das realidades da serra:
- Pois está bem de ver, meu senhor, que há aqui na quinta caseiros que são muito pobrinhos - quase todos. Isso vai por aí uma miséria, que se não fosse alguma ajuda que se lhes dá, nem eu sei... Este Esgueira, com o rancho de filhos, é uma desgraça... Havia Vossa Excelência de ver as casitas em que eles vivem... São chiqueiros. A do Esgueira, acolá, ao pé da figueira.
- Vamos ver essa! - atalhou Jacinto, com uma decisão exaltada. E saiu logo do alpendre, sem atender à chuva, que ainda caía, mais leve e mais rala. Mas então Silvério alargou os braços diante dele, com ansiedade, como para o salvar de um precipício.