- Não! Vossa Excelência lá na casa do Esgueira não entra! Não se sabe o que a mulher tem, e o seguro morreu de velho!
Jacinto não se alterou na sua polidez paciente: - Obrigado pelo seu cuidado, Silvério. Abra o guarda-chuva, e marche! Então o procurador vergou os ombros e como Sua Excelência mandava, abriu com estrondo o imenso guarda-sol, abrigou respeitosamente Jacinto, através do campo encharcado.
Eu segui pensando na esmola sumptuosa que o bom Deus mandava àquele pobre casal por um remoto senhor das Cidades! Atrás vinha o pequenito perdido num imenso pasmo.
Como todos os casebres da serra, o do Esgueira era de grossa pedra solta, sem reboco, com um vago telhado, de telha musgosa e negra, um postigo no alto, e a rude porta que servia para o ar, para a luz, para o fumo, e para a gente. E em redor, a Natureza e o Trabalho tinham, através de anos, ali acumulado trepadeiras e flores silvestres, e cantinhos de horta, e sebes cheirosas, e velhos bancos roídos de musgo, e panelas com terra onde crescia salsa, e regueiros cantantes, e vinhas nos olmos, e sombras e charcos, que tornavam deliciosa, - para uma écloga, aquela morada da Fome, Doença e Tristeza.
Cautelosamente, com a ponteira do guarda-chuva, Silvério empurrou a porta, chamando:
- Eh! tia Maria... Ó rapariga! E na fenda entreaberta apareceu uma rapariga, muito alta, escura e suja, com uns tristes olhos pisados que se espantaram para nós, serenamente.
- Então como vai a tua mãe? Abre lá a porta, que estão aqui estes senhores... Ela abria, lentamente, e ia murmurando numa voz dolente e toda arrastada mas sem queixume, que um vago, resignado sorriso acompanhava:
- Ora, coitada, como há de ir? Malzinha, malzinha. E dentro, num gemido que subia como do chão, de entre abafos, amodorrado e lento, a mãe retomou a desconsolada queixa:
- Ai! para aqui estou, e malzinha, malzinha!.