.. Estava-se-lhe a estragar tudo! Se ela tivesse dinheiro, não vinha com aqueles pedidos à senhora, mas... Enfim uma manhã declarou terminantemente que precisava uma cómoda.
Luísa sentiu uma raiva acender-lhe o sangue, e sem levantar os olhos do bordado
- Uma meia cómoda?
- Se a senhora quer fazer o favor, então uma cómoda inteira...
- Mas você tem pouca roupa - disse Luísa. Começava a instalar-se na humilhação e já regateava as condescendências.
- Tenho, sim, minha senhora - replicou Juliana -, mas vou agora completar-me!
A cómoda foi comprada em segredo, e introduzida ocultamente. Que dia de felicidade para Juliana! Não se fartava de lhe saborear o cheiro da madeira nova! Passava a mão, com a tremura de uma carícia, sobre o polimento luzidio!... Forrou-lhe as gavetas de papel de seda; e começava a completar-se!
Foram semanas de amargura para Luísa.
Juliana entrava no quarto todas as manhãs, muito cumprimenteira, começava a amimar, e de repente com uma voz lamentosa:
- Ai! Estou tão falta de camisas! Se a senhora me pudesse ajudar...
Luísa ia às suas gavetas cheias, cheirosas, e começava melancolicamente a pôr à parte as peças mais usadas. Adorava a sua roupa branca; tinha tudo às dúzias, com lindas marcas, sachês para perfumar; e aquelas dádivas dilaceravam-se com mutilações! Juliana por fim já pedia com secura, com direito:
- Que bonita que esta camisinha! - dizia simplesmente. - A senhora a quer, não?
- Leve, leve! - dizia Luísa sorrindo, por orgulho, para não se mostrar violentada.
E todas as noites Juliana fechada no seu quarto, encruzada na esteira, inchada de alegria, com o candeeiro sobre uma cadeira, desmarcava roupa, desfazendo as duas letras de Luísa, marcando regaladamente as suas, a linha vermelha, enormes - J C T - Juliana Couceiro Tavira!
Mas enfim cessou, porque, como ela dizia, de roupa branca estava como um ovo.