CAPÍTULO V A manhã estava abrasadora. Um pouco depois do meio-dia, Joana, estirada numa velha cadeira de vime da Ilha da Madeira que havia na cozinha, dormitava a sesta. Como madrugava muito, àquela hora da calma vinha-lhe sempre uma quebreira.
As janelas estavam cerradas ao sol faiscante; as panelas no lume faziam um romrom dormente; e toda a casa, muito silenciosa, parecia amodorrada no amolecimento do calor tórrido, quando Juliana entrou como uma rajada, atirou para o chão furiosa, uma braçada de roupa suja, e gritou:
- Raios me partam se não há um escândalo nesta casa que vai tudo raso!
Joana deu um salto estremunhada.
- Quem quer as coisas em ordem olha por elas! - berrava a outra com os olhos injetados. - Não é estar todo o dia na sala a palrar com as visitas!
A cozinheira foi fechar a porta precipitadamente, já assustada.
- Que foi, Sra. Juliana, que foi?
- Está com a mosca! Tem o sangue a ferver! Sangrias! Sangrias! Tem peguilhado por tudo! Não estou para a aturar, não estou!
E batia o pé com frenesi.
- Mas que foi? Que foi?
- Diz que os colarinhos tinham pouca goma; pôs-se a despropositar! Estou a aturar! Estou farta! Estou até aqui! - bradava, puxando a pele engelhada da garganta. - Pois que me não faça sair de mim! Que me vou, e pespego-lhe na cara por quê! Desde que aqui temos homem e pouca-vergonha, boas noites!... Quem quiser que se meta em alhadas...
- Ó Sra. Juliana, pelo amor de Deus! Jesus! - E a Joana apertava a cabeça nas mãos. - Ai, se a senhora ouve!
- Que ouça, digo-lho na cara! Estou farta! Estou farta!
Mas, de repente, fez-se branca como a cal; caiu sobre a cadeira de vime com as duas mãos contra o coração, os olhos em alvo.
- Sra. Juliana! - gritou Joana.