CAPÍTULO IV Pelas três horas da tarde, Juliana entrou na cozinha e atirou-se para uma cadeira, derreada. Não se tinha nas pernas de debilidade! Desde as duas horas que andava a arrumar a sala! Estava um chiqueiro. O peralta na véspera até deixara cinza de tabaco por cima das mesas! A negra é que as pagava. E que calor! Era de derreter! Uf!
- O caldinho há-de estar pronto, hem! - disse, adocicando a voz. - Tira-mo, Sra. Joana, faz favor?
- Vossemecê hoje está com outra cara - notou a cozinheira.
- Ai! Sinto-me outra, Sra. Joana! Pois olhe que adormeci com dia, já luzia o dia!
- E eu! - Tinha tido cada sonho! Credo! Uma avantesma cor de fogo a passear-lhe por cima do corpo, e cada pancada na boca do estômago, como quem pisava uvas num lagar!
- Enfartamento - disse sentenciosamente Juliana, e repetiu:
- Pois eu sinto-me outra. Há meses que me não sinto tão bem!
Sorri com os seus dentes amarelados. O caldo que Joana deitava na malga branca com um vapor cheiroso, cheio de hortaliça dava-lhe uma alegria gulosa. Estendeu os pés, recostou-se, feliz, na boa sensação da tarde quente e luminosa, entrando largamente pelas duas janelas abertas.
O sol retirara-se da varanda, e sobre a pedra, em vasos de barro, plantas pobres encolhiam a sua folhagem chupada do calor; sobre uma tábua a um canto, numa velha panela bojuda, verdejava um pé de salsa muito tratado; o gato dormia sobre um esteirão; esfregões secavam numa corda; e para além alargava-se o azul vivo como um metal candente, as árvores dos quintais tinham tons ardentes do sol, os telhados pardos com as suas vegetações esguias coziam no
calor e pedaços de paredes caiadas despediam uma rebrilhação dura.
- Está de apetite, Sra. Joana, está de apetite! - dizia Juliana, remexendo o caldo devagarinho, com gula.