A minha ambição seria pintar a sociedade portuguesa, tal qual a fez a Constitucionalismo desde 1830 e mostrar-lhe como num espelho, que triste país eles formam - eles e elas. É o meu fim nas Cenas da vida portuguesa. É necessário acutilar o mundo oficial, a mundo sentimental, o mundo literária, o mundo agrícola, o mundo supersticioso - e com todo o respeito pelas instituições que são de origem eterna, destruir as falsas interpretações e falsas realizações, que lhe dá uma saciedade podre. Não lhe parece você que um tal trabalho é justo?
Enquanto ao processo - estimo que você o aprove. Eu acho no Primo Basílio uma superabundância de detalhes, que obtive, e abafo um pouca a ação; o meu processo precisa simplificar-se, condensar-se - e estuda isso; o essencial é dar a nota justa; um traço justo e sóbrio, cria mais que a acumulação de tons e de valores - como se diz em pintura. Mas isto é querer muito. Pobre de mim - nunca poderei dar a sublime nota da realidade eterna, como a divina Balzac - au a nata justa da realidade transitória cama a grande Flaubert! Estes deuses e estes semideuses da arte estão nas alturas - e eu, desgraçadinho, rabeio nas ervas íntimas. E todavia se já houve sociedade que reclamasse um artista vingador é esta! E sobretudo, vista de longe no seu conjunto, e contemplada de um meio farte como este aqui (sejam quais forem os seus grandes males, forte decerto) que contrista, achá-la tão mesquinha, tão estúpida, tão convencionalmente pateta, tão grotesca e tão pulha!
Alegra-me que você queira escrever alguma coisa sobre o Basílio; a sua opinião, publicada, daria ao meu pobre romance uma autoridade imprevista. Dar-lhe-ia um direito de existência; e de todos os defeitos, faltas, ou erros que você notar - tomarei cautelosamente nota.