O Primo Basílio - Cap. 1: CAPÍTULO I Pág. 9 / 414

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De resto fora uma criancice; ela mesma, às vezes, ria, recordando as pieguices ternas de então, certas lágrimas exageradas! Devia estar mudado o primo Basílio. Lembrava-se bem dele - alto, delgado, um ar fidalgo, o pequenino bigode preto levantado, o olhar atrevido, e um jeito de meter as mãos nos bolsos das calças fazendo tilintar o dinheiro e as chaves! Aquilo começara em Sintra, por grandes partidas de bilhar muito alegres, na quinta do tio João de Brito, em Colares. Basílio tinha chegado então da Inglaterra: vinha muito bife, usava gravatas escarlates passadas num anel de ouro, fatos de flanela branca, espantava Sintra! Era na sala de baixo pintada a oca, que tinha um ar antigo e morgado; uma grande porta envidraçada abria para o jardim, sobre três degraus de pedra. Em roda do repuxo havia romãzeiras, onde ele apanhava flores escarlates. A folhagem verde escura e polida dos arbustos de camélias fazia ruazinhas sombrias; pedaços de sol faiscavam, tremiam na água do tanque; duas rolas, numa gaiola de vime, arrulhavam docemente; - e, no silêncio aldeão da quinta, o ruído seco das bolas de bilhar tinha um tom aristocrático.

Depois, vieram todos os episódios clássicos dos amores lisboetas passados em Sintra: os passeios em Sitiais ao luar, devagar, sobre a relva pálida, com grandes descansos calados no Penedo da Saudade, vendo o vale, as areias ao longe, cheias de uma luz saudosa, idealizadora e branca; as sestas quentes, nas sombras da Penha Verde, ouvindo o rumor fresco e gotejante das águas que vão de pedra em pedra; as tardes na várzea de Colares, remando num velho bote, sobre a água escura da sombra dos freixos - e que risadas quando iam encalhar nas ervagens altas, e o seu chapéu de palha se prendia aos ramos baixos dos choupos!

Sempre gostara muito de Sintra! Logo ao entrar os arvoredos escuros e murmurosos do Ramalhão lhe davam uma melancolia feliz!

Tinham muita liberdade, ela e o primo Basílio.





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