Os Crimes da Rua Morgue - Cap. 1: Os crimes da Rua Morgue Pág. 19 / 42

- Não devemos julgar os meios - disse Dupin - só por esta investigação elementar. A polícia de Paris, tão gabada pela sua perspicácia, é apenas astuta e nada mais. Procede sem método ou, o que vem a dar no mesmo, não aplica o método às ocasiões. Exibe um grande estendal de medidas, normalmente tão pouco adaptadas aos objectivos que nos fazem lembrar Mr. Jourdain pedindo o seu robe de chambre -pour mieux entendre la musique. Os resultados obtidos são muitas vezes surpreendentes, mas na sua maior parte devido à simples diligência e actividade. Quando estas qualidades falham, os esquemas não resultam. Vidocq, por exemplo, tinha uma boa intuição e era um homem perseverante. Mas o seu espírito era pouco educado e a própria intensidade com que se dedicava à investigação levava-o muitas vezes a cometer erros. A sua visão era deformada pela proximidade com que fitava o objecto. É possível que visse um ou dois pormenores com invulgar nitidez, mas, ao fazê-lo, perdia necessariamente a visão do conjunto. Depois há o problema de se ser demasiado profundo. A verdade nem sempre está no fundo de um poço. De facto, no que respeita à mais importante sabedoria, creio até que ela está bastante à superfície. O problema é que a procuramos nos vales quando ela reside nos cimos das montanhas. A fonte deste tipo de erros está bem exemplificada na contemplação dos corpos celestes. Se olharmos para uma estrela de lado, voltando para ela a parte exterior da retina (mais sensível aos raios fracos que a parte central), veremos distintamente o astro; apreciaremos melhor o seu brilho, brilho esse que vai diminuindo à medida que a olhamos de frente. É um facto que nesta última observação incide sobre a retina um maior número de raios; mas no primeiro existe uma maior capacidade de apreensão.





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