Uma profundidade exagerada intriga e enfraquece o pensamento; e chega a ser possível eliminar Vénus do firmamento se a observarmos com demasiada concentração, demasiado longamente ou directamente de mais.
«Quanto a estes crimes, façamos nós um exame minucioso do que se passou antes de nos pronunciarmos sobre eles. O inquérito será para nós um divertimento - achei estranho este termo aplicado ao caso, mas não disse nada - e além disso Le Bon prestou-me um dia um favor e eu não sou ingrato. Vamos ao local do crime examiná-lo com os nossos próprios olhos. Conheço G... o prefeito da polícia, e não terei dificuldade em obter a necessária autorização.
A autorização foi concedida e imediatamente nos dirigimos à Rua Morgue. Esta é uma das miseráveis travessas que ligam a Rua Richelieu e a Rua St. Roch. Era já ao fim da tarde quando lá chegámos, pois este bairro fica muito distante daquele onde moramos. Demos logo com a casa, porque do outro lado da rua havia muita gente parada a olhar, com uma curiosidade inútil, para as janelas fechadas. A casa assemelhava-se a todas as casas de Paris, com um portão de entrada ao lado do qual se via a casota do porteiro, espécie de nicho envidraçado com um postigo móvel. Antes de entrarmos subimos a rua, virámos numa travessa e passámos assim pelas traseiras da casa. Dupin ia observando a casa e as cercanias com uma atenção minuciosa, para a qual eu não encontrava razão.
Dando meia volta chegámos de novo à entrada da casa. Tocámos a campainha, mostrámos as nossas credenciais e os polícias de serviço mandaram-nos entrar. Subimos as escadas até ao quarto onde havia sido encontrado o corpo de Mademoiselle L’Espanaye e onde ambos os cadáveres jaziam ainda. Ninguém se incomodara, como é costume, com a desordem do quarto.