Os Crimes da Rua Morgue - Cap. 1: Os crimes da Rua Morgue Pág. 23 / 42

Isto afasta qualquer hipótese de a velha senhora ter primeiro assassinado a filha, suicidando-se em seguida. Menciono isto principalmente por uma questão de método; porque Madame L’Espanaye nunca conseguiria enfiar o corpo da filha na chaminé; e o tipo dos ferimentos que ela própria apresentava elimina totalmente a hipótese da autodestruição. O crime foi, pois, cometido por terceiros, e eram as vozes desses terceiros que se ouviram a discutir. Permite-me agora que chame a atenção, não para os depoimentos relativos às vozes, mas para o que esses depoimentos tinham de particular. Reparaste nalguma coisa de particular?

Respondi que, enquanto todas as testemunhas concordavam que a voz rouca era de um francês, as opiniões divergiam quanto à voz aguda ou áspera, como a definia uma das testemunhas.

- Isso constitui efectivamente a evidência, mas não a particularidade da evidência - disse Dupin. - Não reparaste em nada de característico, e no entanto havia qualquer coisa de característico a observar. Como disseste, as testemunhas são unânimes no que se refere à voz rouca. Mas quanto à voz aguda, a particularidade não é que tenham discordado, é que quando o italiano, o inglês, o espanhol, o holandês e o francês tentaram descrevê-la, todos eles disseram que era de um estrangeiro. Todos eles ficaram convencidos de que não era um dos seus compatriotas que falava. E todos a comparam, não à voz de um indivíduo de qualquer país cuja língua conheçam, mas precisamente o contrário. O francês supõe que é a voz de um espanhol e «podia ter compreendido algumas palavras se tivesse conhecimento de espanhol». O holandês insiste que era um francês que falava; mas vemos que, como não fala francês, «esta testemunha teve de ser interrogada com o auxílio de um intérprete».





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