Os Crimes da Rua Morgue - Cap. 1: Os crimes da Rua Morgue Pág. 30 / 42

Parecia que estava à beira da compreensão sem conseguir compreender - como acontece às vezes ter-se uma palavra «debaixo da língua» sem conseguir recordá-la. O meu amigo continuou o seu monólogo:

- Como viste - disse ele -, desviei o fulcro da questão do modo da saída para o modo de entrada. A minha intenção foi sugerir que ambas se efectuaram da mesma maneira e no mesmo ponto. Voltemos agora ao interior do quarto. Examinemos o que aqui se vê. As gavetas da cómoda foram saqueadas e no entanto ainda lá se encontram dentro muitos objectos. Aqui a conclusão é absurda. É um simples palpite, bastante tolo e nada mais. Como é que sabemos que os objectos que se encontraram dentro das gavetas não eram todos os que anteriormente aí se encontravam? Madame L'Espanaye e a filha viviam extremamente retiradas (não recebiam visitas, raramente saíam), poucas ocasiões teriam para mudar de toilette. As roupas que se encontraram não eram de pior qualidade que as que se esperava que essas senhoras possuíssem. Se um ladrão tivesse levado roupa, porque não teria levado a melhor? Ou porque não a teria levado toda? Resumindo, porque teria deixado ficar quatro mil francos em ouro a fim de levar uma trouxa de roupa? Porque o facto é que ninguém tocou no ouro. A quase totalidade da quantia mencionada por Monsieur Mignaud, o banqueiro, foi encontrada nos sacos que estavam no chão. Desejo, pois, que afastes do espírito a ideia ridícula do motivo, engendrada no espírito da polícia pelos depoimentos que referem a entrega de dinheiro à porta de casa. Coincidências dez vezes mais extraordinárias que estas (entrega do dinheiro, assassínio cometido três dias depois dessa entrega) acontecem-nos todos os dias sem que lhes prestemos a mínima atenção.





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