Os Crimes da Rua Morgue - Cap. 1: Os crimes da Rua Morgue Pág. 32 / 42

Viste, como eu, as madeixas arrancadas. Às raízes (espectáculo medonho!) aderiam fragmentos de pele e carne do couro cabeludo, prova certa da fantástica energia exercida para arrancar de uma vez cerca de meio milhão de cabelos. O pescoço da velha senhora estava não só cortado como completamente separado do corpo: o instrumento fora uma simples navalha. Quero também que consideres a ferocidade brutal destes actos. Já não falo nas contusões de Madame L’Espanaye. O Dr. Dumas e o seu venerável confrade, o Dr. Etienne, declararam que tinham sido produzidas por um objecto contundente e, até aqui, estes cavalheiros têm razão. O instrumento contundente foi claramente o empedrado do pátio onde a vítima caiu atirada da janela a que a cama estava encostada, Esta ideia, por muito simples que pareça agora, escapou à polícia pelo mesmo motivo que lhe escapou a largura das persianas, porque, graças aos pregos, as suas percepções foram hermeticamente fechadas à possibilidade de se abrirem as janelas.

»Ora, se juntarmos a tudo isto a estranha desordem que reinava no quarto, chegamos a um ponto em que podemos combinar as ideias de uma agilidade assombrosa, de uma força sobre-humana, de uma ferocidade brutal, de uma carnificina sem motivo, de um grotesco no horrível absolutamente alheio à humanidade e de uma voz estranha ao ouvido de homens de várias nações e cuja pronúncia é absolutamente ininteligível. Qual é, pois, a conclusão a que se chega? Que impressão pude causar no teu espírito?

Todo eu me senti arrepiar ao ouvir Dupin fazer-me esta pergunta.

- Um louco - observei - cometeu este crime. Algum doido furioso de alguma Maison de Santé dos arredores.

- Sob certos aspectos - replicou -, a tua ideia não é irrelevante. Mas as vozes dos loucos, mesmo nos seus paroxismos mais selvagens, nada têm de comum com o que se afirma acerca dessa voz singular ouvida pelas testemunhas ao subirem as escadas.





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