— A minha história? — exclamei, assustado. — A minha história? Mas quem lhe disse que eu tinha uma história? Eu não tenho história...
— Então, como viveu até agora, se não tem história? — interrompeu-me, rindo-se.
— Tenho vivido absolutamente sem a mais pequena história! Tenho vivido, assim, como se costuma dizer, metido no meu buraco, isto é, só, absolutamente só, perfeitamente só... Compreende o que isto significa: só?
— Que entende por só? Quer com isso dizer que nunca vê ninguém?
— Não é isso! No que se refere a ver pessoas, vejo-as, mas, no entanto, estou só.
— Então, nunca fala com ninguém?
— No sentido mais estrito da palavra: a ninguém.
— Mas, nesse caso, quem é o senhor? Explique-se! Espere, deixe-me adivinhar. Tem, por certo, uma avó, tal como eu. Ela é cega e há uma eternidade que não me deixa ir a nenhum lado, a ponto de eu quase já não saber falar. Como, há dois anos, cometi uma tolice, concluiu que não tinha mão em mim e, chamando-me junto dela, prendeu a sua saia à minha com um alfinete. E assim temos passado dias inteiros: ela faz meia, embora seja cega, e eu sou obrigada a estar junto dela, a coser ou a ler-lhe em voz alta. É um hábito esquisito, este de estar pregada já há dois anos...
— Santo Deus, que sorte a sua! Mas não, não tenho uma avó assim.