ruas ermas, estradas solitárias povoadas de sombras mais vãs e fugidias que ela era; procurou com as suas pupilas sem luz o clarão que as acendera, estendeu os braços a todos os gritos, andou de porta em porta, subiu a todos os lares, revolveu todas as agonias, debruçou-se em todos os abismos, penetrou o mistério de todos os sonhos. E cada vez as sombras eram mais vãs e fugidias, e os clarões iam-se apagando, estrelas-cadentes no negrume cerrado daquele Gólgota. Nada!
Foi então que lhe chegou aos ouvidos um ciciar brandinho... Seriam passos?... Rufiar de asas?... Folhas de Outono tombando?...
E a Morta parou.
Marulho de ondas pequeninas. O rio.
Na taça de prata, cinzelada a traços de maravilha pelas mãos dos génios das águas, erguida ao alto por mãos misteriosas e invisíveis, dormia todo o azul do infinito. O seu vestido branco aureolou-se de sonho, teve tons azulados de nácar e madrepérola, claridades fosforescentes de fogo-fátuo; como se lhe batesse de chapa todo o luar dos céus longínquos, lembrou um manto de Virgem; as mãos, num gesto de graça, foram duas minúsculas conchas azuis. Era ali.
Debruçou-se... Marulho de ondas... E a morta foi mais uma onda, uma onda pequenina, uma onda azul na taça de prata a faiscar...
Isto aconteceu.
De manhãzinha, quando as pombas sedentas vieram beber as lágrimas na urna quebrada, quando o sapo, de magníficos olhos como estrelas, deixou o seu fresco leito de lírios, e a saudade se enrodilhou de novo no sumptuoso túmulo de mármore, a soluçar, quando a musa de curvas sensuais moldou a boca que toda a noite dera beijos na imobilidade rígida das linhas austeras e frias, quando enfim as sombras se esvaíram na silenciosa cidade dos mortos, um caixão foi encontrado vazio, uma caixinha branca de sete palmos pequeninos, onde cartas de amor amareleciam e flores deixavam pender as pálidas cabeças desmaiadas.