Era de boa família, de origem fidalga, dizia-se. O pai tinha aparecido ali, um belo dia, vindo não sei donde, e ali tinha morrido anos depois. Eu não cheguei a conhecê-lo, é claro. Lembro-me vagamente de um pormenor curioso acerca da sua vida: levantava-se ao escurecer e deitava-se só às primeiras horas do dia; fazia toda a sua vida de noite. Lia quase constantemente os poetas gregos e latinos; era muitíssimo culto e não falava com ninguém. O filho, bizarro como ele, caíra com a idade, a pouco e pouco, numa completa loucura; mas, muito calmo, muito doce, muito bem educado, não incomodando ninguém, deixaram-no à vontade, e ninguém o incomodava.
«Eu fiz dele o meu único confidente, a minha grande afeição; ele era ao mesmo tempo o meu cão. o meu livro, a minha amiga íntima, o inseparável companheiro dos meus longos passeios solitários pela planície.
«Caminhávamos horas a fio pelas estradas fora, calados, a olhar avidamente tudo o que nos cercava. A minha família, principalmente o meu pai, não se conformava com semelhante esquisitice, e a princípio lutou desesperadamente contra mais aquele disparate, aquela tola mania de fazer de um doido o meu maior amigo; mas, como já estava habituado às bizarrias do meu carácter e como eu, segundo eles diziam, não fazia nada como a outra gente, acabaram por me deixar em paz a mim e ao meu amigo doido. Nunca tive outro assim... e hoje, as suas palavras que eu evoco são, como já lhe disse, o meu mais benéfico consolo, o meu analgésico mais seguro contra as crises que me assaltam de vez em quando, no meio de uma frase ou de um riso.
«Parece-me, se fechar os olhos, que foi ontem a última vez que o vi. As nossas conversas eram sempre um longo monólogo: ele falava, eu ouvia. Nunca li nos livros frases mais belas, ideias mais tragicamente consoladoras, de uma maior e mais elevada espiritualidade.