Capítulo 7: O INVENTOR
Página 48
.. só vê-la!, não era caso para que, num segundo, lhe desabassem em cima todas aquelas catástrofes. Era evidente! Claríssimo... como a própria água do tanque da horta dos Senhores Ramalhos... A consciência, esse rabugento desmancha-prazeres, ia falando cada vez mais baixo, as rugas da testa, cavadas no esforço da concentração, alisavam-se, os doces olhos garços enchiam-se-lhe já do infinito prazer, da alegria triunfal e sã de se mirarem num grande espelho movediço e claro. Vencia a tentação; nem as tentações se fizeram para outra coisa... O tanque, ao longe, no meio dos salgueiros, parecia de prata; cheirava a fresco. O peito dilatava-se-lhe de satisfação. Deitava-se ao comprido sobre o rebordo de pedras, reclinava a cabecita morena sobre o braço estendido; a mão, pendida, num gesto quase sensual, afagava a água, que se abria tépida e a envolvia de doçura. E se ele descalçasse as botas e arregaçasse os calções? Poderia meter-se lá dentro; a água não lhe chegava com certeza aos joelhos... As pestanas batiam frementes como que para velar o fulgor de duas pupilas cobiçosas, a mão mergulhava mais fundo na água clara... Ai! Lá molhara a manga! E se ele despisse o bibe e a blusa?... Era melhor: não correria o sério risco de se tornar a molhar. A tentação pôs novamente o manto furta-cores da prudência, e a consciência, enganada, aprovou a sofismática verdade. Num relâmpago, como quem tem medo de refletir ou de se enganar, ei-lo que despe a blusa e o bibe. Fica um instante pensativo: o trabalho que tem para arregaçar os calções é o mesmo que para os tirar de vez e, num ar de grande decisão, resolve-se pelo remédio mais radical: despe-se todo. As botas são desapertadas num ai. De tentação em tentação, de fraqueza em fraqueza, os compromissos de consciência levam um homem honrado à prática de todos os crimes.
|
|
 |
Páginas: 80
|
|
|
|
|
|
Os capítulos deste livro:
|
|
|