O Sol ascende mais ao alto, vai mais para além, tem agora um fulgor maior, e, sobre o bronze vibrante das mãos -triunfantes, vai pôr a mordedura da sua boca vermelha. São brutais aquelas mãos, formidáveis de esforço, assombrosas de vontade! Esqueceram as carícias e os beijos, o frémito dos contactos inconfessáveis, o trémulo tatear das carnes moças e cobiçadas; deixaram lá em baixo os gestos de doçura e piedade, o aroma das cabeleiras desatadas, a forma dos rostos desejados moldados nas suas palmas nervosas, todas as posses onde se crisparam e os desejos para que se estenderam; perderam as curvas harmoniosas, a tepidez dolente e macia de preciosos instrumentos de amor! Contraíram-se em garras e, no alto, crispadas sobre a presa, são elas que algemam, são elas que escravizam, que subjugam as asas cativas!
E, lá no alto, o homem está contente. Como quem atira ao vento, num gesto de desdém, um punhado de pétalas, atira cá para baixo uns miseráveis restos de oiro que levou; do seu oiro de lembranças de que se tinha esquecido. O homem está contente.
E a apoteose continua. O pintor de génio endoideceu; atira sem cambiantes, sem sombras, sem esbatidos, traços como setas que se cravam; arroja brutalmente todos os vermelhos e os oiros da sua paleta, e pinta como quem esmaga em gestos tumultuosos de demente. Donde vem tanto oiro? Prodígio! Miragem! Deslumbramento! Até as velas sangram e as asas, peneiradas de cinza, das gaivotas se encastoam de rutilantes pedrarias raras. É irisado agora o veludo glauco do rio; o sol atira-lhe a rir, como um menino, pródigo e inconsciente, as suas últimas gemas. As colinas, em volta, são mãos abertas de assassino, e o casario, chapeado de luz, é um manto de púrpura rasgado, cujos farrapos vão prender-se ainda nas labaredas do horizonte a arder.