Quando tentei falar, descobri que perdera a voz e só conseguia emitir um guincho dos mais débeis, mas na segunda tentativa tive êxito em perguntar onde estava ferido. Na garganta, disseram. Harry Webb, nosso padioleiro, trouxera uma atadura e uma garrafinha de álcool das que nos davam para providenciar primeiros socorros. Enquanto me suspendiam, saiu bastante sangue por minha boca, e atrás de mim um espanhol disse que a bala atravessara meu pescoço de um lado a outro. Senti o álcool, que em ocasião comum teria ardido como o diabo, mas que agora embebia o ferimento com agradável frieza.
Puseram-me novamente no chão, enquanto alguém apanhava uma padiola. Assim que soube que a bala atravessara o pescoço de fora a fora, achei naturalíssimo que ia morrer. Jamais ouvi falar em homem ou animal que recebesse uma bala pelo meio do pescoço e conseguisse sobreviver. O sangue escorria pelo canto da boca, e cá comigo pensei: "Lá se foi a artéria!" Fiquei a imaginar quanto tempo alguém dura quando a carótida é cortada; não deviam ser muitos minutos. Tudo estava muito confuso. Devem ter transcorrido uns dois minutos nos quais pensei estar morto. E também isso foi muito interessante, quer dizer, é interessante saber quais seriam os pensamentos numa hora daquelas. Meu primeiro pensamento, coisa bastante convencional, foi para minha mulher. O segundo foi o rancor violento por ter de deixar este mundo que, diga-se lá o que disserem, para mim é muito agradável. Tive tempo de sentir isso com muita vividez. O caráter fortuito e estúpido da coisa enchia-me de fúria. A falta de sentido naquilo tudo! Ser liquidado, nem mesmo em batalha, mas naquele canto sujo de trincheira, por causa do descuido de um instante! Pensava, também, no homem que me acertara - se era espanhol ou estrangeiro, sua aparência, se sabia que me acertara, e assim por diante. Não conseguia sentir qualquer raiva dele. Achava que, sendo ele um fascista, eu teria dado cabo de seu canastro, se pudesse, mas que se ele fosse aprisionado e trazido ali, naquele instante, eu simplesmente lhe teria dado parabéns pelo belo tiro. Pode ser, porém, que quem realmente esteja morrendo tenha pensamentos muito diferentes.
Mal me puseram na padiola e meu braço paralisado voltou à vida e começou a doer miseravelmente. Naquela ocasião imaginei que o quebrara quando caíra ao chão, mas a dor trouxe reconforto, pois eu sabia que as sensações não se fazem mais agudas quando alguém está morrendo.