Isso acarretava fingir que a vida na Espanha, na parte do Governo, constituía apenas um longo massacre (vide o Catholic Herald ou o Daily Mail, embora esses dois não passassem de brinquedo infantil diante dos órgãos continentais da imprensa fascista), e envolvia exagero imenso na escala da intervenção russa. De toda a pirâmide de mentiras formada pela imprensa católica e reacionária de todo o mundo, cito apenas um exemplo - a presença de exército russo na Espanha - Partidários devotados de Franco acreditavam nisso, todos eles, e os cálculos quanto ao efetivo de tal exército russo atingiam até quinhentos mil homens. Ora, não houve qualquer exército russo na Espanha. Pode ter havido um punhado de aviadores e outros técnicos, algumas centenas quando muito, mas exército, não! Alguns milhares de estrangeiros que lutaram na Espanha, para não falar em milhões de espanhóis, foram testemunhas disso. Pois bem, seu testemunho não causou impressão alguma sobre os propagandistas de Franco, nenhum dos quais pusera o pé na Espanha do Governo. Toda essa gente se recusava simultaneamente a reconhecer o fato da intervenção alemã ou italiana, ao mesmo tempo em que a imprensa germânica e italiana se jactavam abertamente das façanhas de seus "legionários". Escolhi apenas um ponto para mencionar aqui, mas na verdade toda a propaganda fascista a respeito da guerra se manteve nesse nível.
Esse tipo de coisa me assusta, pois muitas vezes me proporciona o sentimento de que o próprio conceito da verdade objetiva está acabando em nosso mundo. Afinal de contas, a probabilidade maior está em que tais mentiras, ou então mentiras semelhantes, passarão à História. Como será escrita a história da guerra civil espanhola? Se Franco continuar no poder, seus nomeados escreverão os livros e (para ater-me ao ponto escolhido) um exército russo que nunca existiu tornar-se-á fato histórico, e os estudantes aprenderão isso nas gerações seguintes. Mas suponhamos que o fascismo seja finalmente derrotado e se restaure algum tipo de governo democrático na Espanha, no futuro mais ou menos próximo. Ainda assim, como se escreverá a história da guerra? Que tipo de registros e documentos terá Franco deixado? Suponhamos, mesmo, que os registros e documentos, pelo lado do Governo, sejam recuperáveis. Ainda assim, como se poderá escrever uma verdadeira história da guerra? Pergunto isso porque, como indiquei antes, também o Governo emprega mentiras em larga escala. Pelo ângulo antifascista, seria possível escrever uma história em geral verdadeira, mas isso seria obra partidária, inidônea em todos os pontos menores.