IV
A luta pelo poder entre os partidos republicanos espanhóis constitui um fato infortunado e distante que não desejo reviver agora. Menciono-a apenas para dizer: não creiam em coisa alguma, ou quase nada, do que lerem a respeito dos assuntos internos no lado do Governo. Qualquer que seja sua fonte, é tudo propaganda partidária - isto é, mentira. A verdade ampla a respeito dessa guerra mostra-se bastante simples. A burguesia espanhola entreviu sua oportunidade de esmagar os movimentos trabalhistas, e valeu-se dela, auxiliada pelos nazistas e pelas forças da reação em todo o mundo. É duvidoso que se venha a positivar qualquer coisa além disso.
Lembro-me de ter dito certa feita a Arthur Koestler que "a história parou em 1936", ao que ele assentiu com sua compreensão imediata. Estávamos ambos pensando no totalitarismo em geral, porém de modo mais particular na guerra civil espanhola. Em ocasião anterior de minha vida notei que acontecimento algum é apresentado de maneira correta num jornal, mas foi na Espanha que, pela primeira vez, pude observar relatos jornalísticos que não possuíam qualquer relação com os fatos, nem mesmo aquela relação que fica implicada numa mentira comum. Vi os relatos de grandes batalhas onde não se travara luta alguma, e silêncio absoluto quando centenas de homens tinham sido mortos. Vi soldados que lutaram corajosamente denunciados como covardes e traidores, e outros que jamais ouviram um tiro sendo proclamados heróis de vitórias imaginárias. E vi jornais em Londres divulgando essas mentiras, e intelectuais apressados construindo superestruturas emocionais sobre acontecimentos que nem sequer ocorreram. Na verdade, vi a história sendo escrita não em termos do que acontecera, mas do que deveria ter acontecido, de acordo com as diversas "linhas partidárias". Ainda assim, por mais terrível que fosse tudo isso, de certo modo nada importava. Estava preso a questões secundárias - como a luta pelo poder, travada entre o Cominform e os partidos esquerdistas espanhóis, e os esforços do Governo russo no sentido de impedir a revolução na Espanha. Mas o quadro amplo da guerra que o Governo espanhol apresentava ao mundo não era falso. As questões principais eram as declaradas. Quanto aos fascistas e seus seguidores, jamais poderiam chegar tão perto da verdade. Como poderiam enunciar seus verdadeiros objetivos? Sua versão para a guerra era pura fantasia, e naquelas circunstâncias não poderia ser outra coisa.
A única linha de propaganda que restava para nazistas e fascistas estava em se apresentarem como patriotas cristãos que salvavam a Espanha de uma ditadura russa.