Os motoristas dos caminhões franceses traziam grandes quantidades de suas laranjas para o hotel. Era uma turma mal encarada, e trazia consigo algumas belas pequenas espanholas e um carregador enorme, envergando blusa preta Em qualquer outra época o idiotazinho do gerente teria feito o possível para atendê-los mal, ou teria mesmo recusado a presença daquela turma no hotel, mas naquela oportunidade eles eram bem recebidos porque, diversamente dos demais, possuíam um estoque particular de pão a que todos procuravam recorrer.
Passei aquela noite final no telhado, e no dia seguinte pareceu realmente que a luta estava chegando ao fim. Não creio que tenham havido muitos disparos naquele dia, sexta-feira. Ninguém sabia com certeza se as tropas vindas de Valência estavam realmente chegando, e elas chegaram à noite. O Governo irradiava mensagens semitranquílizadoras e semi-ameaçadoras, pedindo a todos que fossem para suas casas e dizendo que após certa hora qualquer pessoa encontrada com armas seria presa. Não se prestava grande atenção às irradiações do Governo, mas por toda a parte as pessoas se afastavam das barricadas. Não tenho dúvida de que o fator mais responsável por isso fosse a escassez de alimentos. De todas as partes ouvíamos o mesmo comentário: "Acabou a comida, temos de voltar ao trabalho". Por outro lado os Guardas Civis, que podiam contar com o recebimento de suas rações enquanto houvesse comida na cidade, podiam permanecer em seus postos. A tarde as ruas estavam quase normais, embora as barricadas abandonadas ainda estivessem de pé. A Ramblas encheu-se de gente, as casas comerciais quase todas abertas e - o que mais tranquilizava a todos - os bondes elétricos que por tanto tempo tinham ficado parados voltaram a movimentar-se.