Por conseguinte, isso, a separação eterna do seu maior bem, de Deus, e a angústia dessa separação, sabendo perfeitamente que a situação é imutável: esse é o maior tormento que a alma criada pode suportar,
poena damni, a pena da privação.
«A segunda pena que afligirá as almas dos condenados ao Inferno é a pena da consciência. Tal como, nos cadáveres, os vermes são criados pela putrefacção, também nas almas perdidas se gera um perpétuo remorso através da putrefacção do pecado, a ferroada da consciência, o verme, como lhe chama o papa Inocêncio III, da tripla ferroada. A primeira ferroada infligi da por esse verme cruel será a recordação dos prazeres passados. Oh, que terrível deve ser essa recordação! No lago de chamas devoradoras, o orgulhoso rei recordar-se-á das pompas da sua corte; o homem sábio mas pecador, das suas bibliotecas e instrumentos de investigação; o amante dos prazeres artísticos, dos seus mármores e dos seus quadros e de outros tesouros artísticos; aquele que se deliciava com os prazeres da mesa, dos seus grandiosos festins, dos seus pratos preparados com tal requinte, dos seus vinhos escolhidos; o avarento recordará o seu tesouro; o ladrão, a fortuna mal ganha; os coléricos e vingativos e os assassinos impiedosos, os feitos de sangue e de violência com que se deleitavam; os impuros e adúlteros, os prazeres indescritíveis e abjectos com que se deliciavam. Recordar-se-ão de tudo isto e sentirão repugnância de si próprios e dos seus pecados. Pois quão miseráveis parecerão todos esses prazeres às almas condenadas a sofrer o fogo do Inferno pelos séculos dos séculos. Como se enfurecerão e esbravejarão ao pensar que perderam as venturas celestiais em troca da escória terrena, de algumas moedas, de honras vãs, de confortos corporais, de uma excitação dos sentidos.