Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 4: IV Pág. 179 / 273

Uma velada luz do Sol iluminou fracamente o lençol de água cinzento no local onde o rio desaguava. À distância, ao longo do curso lento do Liffey, os mastros esguios riscavam o céu e, mais longe ainda, estendia-se a indefinida tela da cidade, envolta em névoa. Como o cenário de uma imprecisa tapeçaria, tão antiga como o cansaço do homem, a imagem da sétima cidade da cristandade tornava-se visível através do ar intemporal, nem mais antiga, nem mais fatigada, nem menos paciente à sujeição, do que nos tempos dos escandinavos.

Desalentado, ergueu os olhos para as nuvens que corriam lentamente pelo céu, marinhas e mosqueadas. Viajavam pelos desertos celestes, como um bando de nómadas em marcha, passando bem alto sobre a Irlanda, em direcção ao ocidente. A Europa donde tinham vindo ficava para além do mar da Irlanda, aquela Europa de línguas estranhas, com vales e florestas e cidadelas e raças entrincheiradas e dominadas. Escutou uma música confusa dentro de si, feita de recordações e de nomes de que tinha consciência mas que não conseguia captar nem por um instante; depois, a música pareceu recuar, recuar, recuar, e, de cada vestígio de música que se extinguia restava apenas uma longa nota prolongada, penetrando, como uma estrela, o crepúsculo do silêncio. Outra vez! Outra vez! Outra vez!, gritava uma voz para além do mundo.

- Olá, Stephanos!

- Aí vem o Dedalus!

- Ei!... Eh, pára com isso, Dwyer, digo-te eu, senão levas um murro nesse focinho... Ei!

- Boa, Towser! Esquiva-te!

- Anda cá, Dedalus! Bous Stephanoumenos! Bous Stephaneforos!

- Esquiva-te! Afoga-o agora, Towser!

- Socorro! Socorro!... Ai!

Reconheceu-os colectivamente pelas palavras, antes de distinguir os seus rostos. A simples visão daquela confusão de corpos nus gelou-o até aos ossos.





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