Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 2: II Pág. 75 / 273

Stephen abanou a cabeça e sorriu para o rosto móvel e afogueado do seu rival, bicudo como o de uma ave. Sempre estranhara que Vincent Heron tivesse um rosto de ave, além de um nome de ave.' Tinha uma madeixa de cabelos claros sobre a testa, como uma crista eriçada: a sua testa era estreita e ossuda, e um nariz fino e recurvo projectava-se entre os seus olhos próximos e proeminentes, que eram claros e inexpressivos. Os dois rivais eram companheiros de escola. Sentavam-se lado a lado na aula, ajoelhavam juntos na capela, conversavam, depois do terço, enquanto almoçavam. Como os rapazes do primeiro ano eram uns idiotas chapados, Stephen e Heron tinham sido, durante o ano, praticamente os primeiros da escola. Eram eles que iam juntos ao reitor pedir um dia feriado ou livrar um colega do castigo.

- A propósito - disse subitamente Heron -, vi entrar o teu velho.

O sorriso desapareceu do rosto de Stephen. Qualquer alusão feita ao seu pai por um colega ou um professor destruía imediatamente a sua calma. Aguardou, num silêncio receoso, o que Heron iria dizer seguidamente. Heron, todavia, deu-lhe uma expressiva cotovelada e observou:

- És uma raposa manhosa.

- Porquê? - disse Stephen.

- Pareces um sonso - disse Heron. - Mas, na verdade, és uma raposa manhosa.

- Posso saber de que estás para aí a falar? - inquiriu Stephen em tom cortês.

- É claro que podes - respondeu Heron. - Nós vimo-la, Wallis, não vimos? E olha que é bem bonita. E curiosa! «E que papel faz o Stephen, Mr. Dedalus? E o Stephen não canta, Mr. Dedalus?» O teu velho pôs-se a observá-la com o seu monóculo, com todo o interesse, de modo que me parece que o velho também já te topou. Eu por mim não me importava nada, por Júpiter. É espantosa, não achas, Wallis?

- Não é nada má - respondeu Wallis tranquilamente, voltando a entalar a boquilha no canto da boca.





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