As Viagens de Gulliver - Cap. 3: Capítulo I Pág. 12 / 339

Ao mesmo tempo, com um forte e doloroso puxão, soltei ligeiramente as ligaduras que prendiam a cabeleira do lado esquerdo, o que me permitiu mover a cabeça algumas polegadas. Mas, antes que os pudesse apanhar, aqueles seres diminutos fugiram de novo. Ouviu-se uma algaravia penetrante e, quando acabou, ouvi gritar a um deles: Tolgo phonac. Em seguida, dispararam umas cem flechas que se cravaram na minha mão esquerda como agulhas. Após isso, fizeram outra descarga pelo ar, semelhante à forma como na Europa se faz fogo com os canhões, e julgo que muitas delas atingiram o meu corpo (embora não as sentisse), e outras caíram sobre a minha cara, pelo que a cobri de imediato com a mão esquerda. Quando acabou a chuva de flechas, comecei a gemer de aflição e dor; mas, ao tentar soltar-me novamente, lançaram-me outra descarga maior que a primeira e alguns procuraram espetar-me lanças nas costas. Felizmente, tinha vestido um ajustado gibão de pele de búfalo, quase impenetrável. Pensei que o mais prudente era ficar quieto. A minha intenção era permanecer assim até que anoitecesse, pois que, tendo livre a mão esquerda, poderia soltar-me com facilidade. No que se refere aos habitantes daquele lugar, se fossem todos do mesmo tamanho dos que vira, tinha razões mais do que suficientes para pensar que poderia ter de fazer frente ao maior exército que eles mobilizariam contra mim.

Mas a fortuna tinha outros desígnios. Quando verificaram que não me movia, deixaram de disparar. De qualquer forma, o ruído crescente deu-me a entender que o seu número aumentava. A umas quatro jardas de distância do meu ouvido pude ouvir o som de pancadas, durante mais de uma hora, como se houvesse gente a trabalhar.





Os capítulos deste livro