As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 140 / 339

Mas a empresa apresentava-se extremamente árdua: a espineta media quase sessenta pés de comprimento e cada clave tinha um pé de largura, pelo que, alongando os dois braços, não alcançava mais de cinco claves; além disso, para as tocar, precisava de dar um tremendo murro, o que significava um esforço excessivo para um resultado diminuto. Pensei então utilizar o seguinte método: arranjei dois bastões arredondados com o tamanho de um vulgar cacete; envolvi as extremidades mais grossas com pele de rato para não danificar as claves, nem interromper o som. Puseram um banco diante da espineta, a uns quatro pés das teclas, e sentaram-me nele. Correndo, assim, velozmente de um lado para o outro do instrumento, e utilizando os bastões, consegui executar uma jiga ante o enorme contentamento de Suas Majestades. Este foi o exercício mais violento da minha vida. Não pude, porém, tocar mais de dezasseis teclas e, consequentemente, não pude alcançar as notas mais graves nem os tremidos de acompanhamento tal como o fazem os outros músicos, pelo que a minha execução ficou muitíssimo diminuída.

O rei que, como antes indiquei, era um príncipe muito inteligente, ordenava que me levassem na caixa para o seu gabinete e a colocassem sobre a mesa. Pedia-me então para puxar uma das minhas cadeiras e sentava-me a três jardas de distância, ficando quase ao nível da sua cara. Nesta posição mantive diversas conversas com ele. Certa vez tomei a liberdade de dizer-lhe que o desprezo que manifestava em relação à Europa e ao resto do mundo parecia-me indigno das suas eminentes qualidades espirituais. Que a razão não era directamente proporcional ao volume do corpo; pelo contrário, no nosso país comentava-se que as pessoas mais altas são menos dotadas de inteligência. Que, entre outras, as abelhas e as formigas gozavam de maior reputação pelo seu esforço, habilidade e sagacidade, do que outros seres vivos de maior tamanho.





Os capítulos deste livro