As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 148 / 339

CAPÍTULO VII

O amor do autor pela sua pátria. O rei recusa uma vantajosa proposta.

Supina ignorância política do rei. A limitada e imperfeita educação daquele país. Leis, assuntos militares e partidos.

Nada, senão um grande amor pela verdade, me teria impedido de ocultar esta parte do meu relato. Manifestar os meus ressentimentos, que me levaram sempre a cair no ridículo, seria inútil; e vi-me forçado a esperar pacientemente enquanto o meu nobre e amantíssimo país recebia tratamento tão injurioso. Aborreci-me tanto como qualquer dos meus leitores ficaria indignado em circunstâncias semelhantes; mas aquele príncipe tinha tanta curiosidade e interesse por tudo que, para não me mostrar ingrato ou grosseiro, não podia deixar de o esclarecer em tudo o que estivesse ao meu alcance. Devo, porém, dizer a meu favor que soube iludir com engenho muitas das suas perguntas e tornear favoravelmente os escolhos, não deixando de ser sempre verdadeiro. Porque em relação à minha pátria mantive sempre essa louvável parcialidade que tão acertadamente recomenda Dionísio de Halicarnasso a qualquer historiador: ocultar as debilidades e as deformidades da mãe-pátria e ressaltar ao máximo as suas virtudes e belezas. E foi esta a minha sincera intenção em todas aquelas conversas infelizmente para mim infrutíferas que mantive com aquele poderoso monarca.

Mas há que ter grande urbanidade com um rei que vive totalmente afastado do resto do universo e, por conseguinte, ignorando por completo os costumes e modas que prevalecem noutras nações. Esta ignorância conduz sempre a muitos preconceitos e a uma certa estreiteza mental, coisa de que nem nós, nem os países mais educados da Europa, sofremos.





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