As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 169 / 339

Tinha medo de esmagar os caminhantes que encontrava e, frequentemente, gritava para se afastarem do caminho, de tal forma que, por duas ou três vezes, estive a ponto de que me partissem a cabeça pela minha impertinência.

Quando cheguei a casa, depois de me ter informado onde era, um criado abriu a porta e eu curvei-me para entrar como um ganso a passar sob um tapume, receoso de ferir a cabeça. A minha mulher correu a abraçar-me, enquanto me agachei abaixo dos seus joelhos, julgando que, de outro modo, ela não chegaria aos meus lábios. A minha filha ajoelhou-se para que lhe desse a bênção, mas não a vi até que se pôs de pé, devido ao hábito de dirigir o olhar para cima dos sessenta pés, e depois ergui-a pela cintura com uma só mão. Olhava de cima para baixo para os criados e para os dois ou três amigos que havia em casa como se fossem pigmeus e eu um gigante. Censurei a minha esposa por ter sido demasiado poupada, reduzindo a comida dela própria e da filha. Em síntese, comportei-me de modo tão inexplicável que todos compartilharam da opinião do comandante quando me viu pela primeira vez, e chegaram à conclusão de que tinha perdido o juízo. Menciono isto como exemplo do poderoso efeito do costume e do preconceito.

Em pouco tempo cheguei com a minha família e os meus amigos a uma mútua compreensão; e embora a minha mulher afirmasse que nunca voltaria de novo para o mar, quis o meu desafortunado destino dispor as coisas de outro modo, pelo que, como em breve o leitor tomará conhecimento, nem ela conseguiu impedir-me disso. Entretanto, dou aqui por terminada a segunda parte das minhas infelizes viagens.

FIM DA SEGUNDA PARTE





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