Capítulo 5: Capítulo III
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Um mensageiro, que nos precedia em meio-dia de jornada, estava encarregado de avisar o rei da nossa chegada e de solicitar que designasse o dia e a hora em que me concedia a honra de «lamber o pó ante o setial do trono». Esta era a fórmula cortesã e depressa comprovei que era algo mais do que mero formalismo. Quando, dois dias depois da minha chegada, fui admitido no palácio, foi-me pedido para estender-me de bruços e lamber o chão à medida que avançava; mas, graças à minha condição de estrangeiro, o chão fora varrido tão meticulosamente que foi pouco o pó que engoli. E, ainda assim, este é um favor especial apenas concedido a pessoas do mais elevado nível quando solicitam uma audiência. Às vezes sucede mesmo que, quando a pessoa que vai ser recebida tem inimigos influentes na corte, espalha-se muito pó no chão, de propósito. Vi um grande senhor com a boca tão cheia que, no momento em que acabara de arrastar-se até à distância regulamentar do trono, não pôde articular qualquer palavra. Não há remédio para este caso, pois cuspir ou limpar a boca na presença de Sua Majestade significa a pena capital. Há um outro costume, pior, com o qual não estou, de todo, de acordo. Quando o rei tem a intenção de condenar à morte um membro da nobreza de um modo suave e indulgente, manda espalhar pelo chão um determinado pó escuro, de mortífera composição que, ao ser lambido, provoca inexoravelmente a morte ao fim de vinte e quatro horas. Mas, para se fazer justiça à grande clemência deste príncipe e à sua solicitude relativamente à vida dos súbditos (seria muito desejável que os monarcas europeus o imitassem nisto) deve mencionar-se em seu favor que, depois de cada execução, se ditam severas ordens para a limpeza conscienciosa das zonas envenenadas do solo; em caso de descuido, a criadagem corre o risco de cair em desgraça.
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