De resto, o meu amo admirava-se mais com a minha capacidade de falar e raciocinar do que com o meu aspecto físico, vestido ou não. Esperava com alguma impaciência assim o dizia ouvir-me contar as maravilhas que lhe prometera.
A partir de então ensinou-me com redobrado zelo. Levava-me a todas as recepções e exigia que me tratassem com cortesia porque, como lhes dizia em privado, eu ficaria com boa disposição e tornar-me-ia mais divertido.
Todos os dias, quando estava com ele, não só se preocupava em ensinar-me como também costumava perguntar-me sobre os meus assuntos pessoais e eu respondia-lhe como podia; assim, a pouco e pouco, ia tomando conhecimento geral de tudo. Seria aborrecido mencionar as diversas etapas dos meus progressos até conseguir manter uma conversa fluida; e vou contar, a seguir, o primeiro relato ordenado e alongado que lhe fiz sobre mim.
Chegara de um país muito remoto, tal como já lhe tentara dizer, com cerca de cinquenta pessoas como eu. Viajámos por mar num grande recipiente oco de madeira, maior do que a casa de Sua Excelência. Descrevi-lhe o barco o melhor que pude e, com a ajuda de um lenço aberto, expliquei-lhe como fora arrastado pelo vento. Depois de uma disputa interna, fora abandonado na praia e caminhei sem rumo fixo até que Sua Excelência me libertou da perseguição daqueles abomináveis yahoos. Perguntou-me quem construíra o barco e como era possível que os houyhnhnms de um país o confiassem a animais. A minha resposta foi que eu não me atrevia a prosseguir o meu relato a não ser que me desse a palavra de honra de que não se ofenderia, e que só então lhe contaria as maravilhas que tão frequentemente lhe prometera. Acedeu ao meu pedido.
