As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 280 / 339

«Existe entre nós disse-lhe uma associação de homens instruídos, desde a sua juventude, na arte de demonstrar, à força de verborreia, que o branco é negro e que o negro é branco, conforme as indicações de quem paga. O resto das pessoas é escravo desta associação.

«Por exemplo: se o meu vizinho cobiça a minha vaca, paga a um advogado para que prove que devo entregar-lha. Devo, pois, contratar um outro advogado que defenda os meus direitos, uma vez que é contra todos os preceitos legais permitir que alguém se autodefenda, Neste caso, eu, que sou o verdadeiro proprietário, tenho uma dupla desvantagem: em primeiro lugar, como o meu advogado foi treinado quase desde o berço a defender causas injustas, sente-se muito deslocado ao defender uma causa justa; esta é uma ocupação antinatural do seu talento, que executará sempre com grande lentidão, quando não de má vontade. A segunda desvantagem consiste em que o meu advogado deve proceder cautelosamente, pois corre o risco de ser repreendido pelos juízes e atacado pelos colegas por obstaculizar a prática da lei. Por consequência, só tenho dois métodos para conservar a minha vaca. O primeiro consiste em subornar o advogado do meu adversário pagando-lhe o dobro do que ele lhe paga; trairá então o seu cliente insinuando que a justiça está do seu lado. O segundo método baseia-se em que o meu advogado apresente a minha causa do modo mais injusto possível, concedendo que a vaca pertence ao meu opositor, Se a manobra for bem executada, o resultado será favorável.

«Sua Excelência tem de saber que os juízes são as pessoas designadas para resolver todos os litígios sobre a propriedade, assim como também os processos criminais. São escolhidos de entre os advogados mais experimentados, quando estes se tornam velhos ou negligentes.





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