As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 287 / 339

A acreditar nos médicos, a natureza, conforme dizem, reservou o orifício ântero-superior para a ingestão de líquidos e sólidos e o ínfero-posterior para descarregá-los. Estes sábios, considerando com engenho que, em qualquer doença, a natureza foi alterada, procuram restabelecê-la submetendo o corpo a um tratamento contrário; alteram-se as funções dos dois orifícios, isto é, introduzem-se pelo ânus líquidos e sólidos, provocando-se a evacuação pela boca.

Contudo, para além destas enfermidades reais, achamo-nos sujeitos a muitas outras imaginárias; para elas, os médicos inventaram tratamentos também imaginários. Apesar disso, cada uma possui nomenclatura adequada, e são tratadas com remédios específicos. As nossas mulheres yahoos são muito propensas a esse tipo de males.

A segurança nos prognósticos raras vezes falham é uma das destacadas características desta corporação médica. Quando uma doença real atinge um certo nível de gravidade, emitem geralmente um prognóstico fatal; e se neste último caso está nas mãos deles o seu cumprimento, já o mesmo não acontece quanto à recuperação. Por conseguinte, quando proferem este diagnóstico fatal e se registam melhoras inesperadas no doente, preferem, mediante uma dose apropriada, que se cumpra o prognóstico, comprovando a sua sagacidade, a alterarem-no, passando por falsos profetas.

Por este motivo são de grande utilidade para homens e mulheres que se enfastiaram dos cônjuges, para os primogénitos, para os principais ministros de Estado e, amiúde, para os príncipes.

Já anteriormente tinha conversado com o meu amo sobre o nosso governo em geral, e a nossa excelsa constituição em particular, merecidamente invejada e admirada por todas as nações.