As Viagens de Gulliver - Cap. 3: Capítulo I Pág. 74 / 339

pois havia-se verificado que, quanto mais aumentavam estes louvores e se insistia neles, mais inumanos eram os castigos e mais inocentes as vítimas. Embora no que a mim diz respeito, devo confessar que nunca, seja por nascimento, seja por educação, fui predestinado para a vida cortesã, e estava pouco preparado para julgar estes acontecimentos; e não conseguia descobrir nem a magnanimidade nem o favor da sentença, antes a considerando (talvez erroneamente) mais rigorosa que suave. Às vezes pensava submeter-me a tais juízes e, ainda que não pudesse negar alguns dos factos alegados em diversas cláusulas, contava que admitiriam algumas atenuantes; mas tendo presenciado, durante a minha vida, muitos julgamentos conduzidos pelo Estado e, vendo-os resolvidos de acordo com o que parecia correcto aos juízes, não me atrevia a entregar-me confiante a tão perigosa decisão, em momentos tão críticos e perante inimigos tão poderosos. Senti, a certa altura, uma forte vontade de opor-lhes resistência enquanto era livre, já que dificilmente todas as forças do imperador me poderiam dominar e eu, com facilidade, poderia destruir a cidade só com pedras; mas afastei com rapidez e horrorizado este projecto ao recordar o juramento que fizera ao imperador, os favores que me concedera e a elevada condecoração de nardac que me atribuíra. Tão-pouco chegara ainda à convicção de que a presente severidade de Sua Majestade me desligava de todas as obrigações anteriores.

Finalmente cheguei a uma decisão pela qual poderia receber alguma censura, e não de todo injusta; pois confesso que devo a conservação da minha vista, e consequentemente da minha liberdade, à minha grande temeridade e falta de experiência.





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