A Linha de Sombra - Cap. 4: II Pág. 44 / 155

«Escute cá! É a embarcação dele! O que é que o senhor lhe fez.»

O seu olhar espantado era todo de uma curiosidade respeitosa para comigo. Mas eu sentia-me perfeitamente confundido.

«O quê? Para mim? Não fazia a mais pequena ideia», foi tudo quanto consegui balbuciar.

Ele disse que sim, repetidamente, movendo a cabeça: «Sim, é para si. A última pessoa que a teve ao seu dispor foi um duque. Ora veja!»

Penso que ele esperara ver-me desmaiar no instante seguinte. Mas eu tinha pressa demais para me poder entregar a essas manifestações emotivas. O que sentia na altura era já um tal turbilhão de impressões que aquela informação vertiginosa parecia não fazer a mais ligeira diferença. Deixei-a cair dentro do caldeirão a ferver do meu cérebro e aí a guardei para comigo, após uma breve, mas expressiva, viagem de despedida com R.

O favor dos grandes deste mundo desprende um halo à volta do objecto bafejado pela sua escolha. Por isso aquele excelente R. gostaria de saber se lhe seria possível fazer por mim alguma coisa. Conhecia-me apenas de vista e sabia perfeitamente que não voltaria a pô:-me. a Vista em Cima; eu era, na companhia dos outros marinheiros do porto, um novo moti.v0 de escritas oficiais, campo onde ele preenchia os respectivos modelos com toda a sofisticada superioridade de um homem de caneta e papel em relação aos outros homens que, entretanto, se encontram em luta com a realidade da vida fora dos muros sagrados dos edifícios públicos. Que fantasmas não devíamos nós, homens do mar, ser para ele! Meros símbolos de jogos malabares nos livros e nos registos volumosos, privados de cérebro, de cuidados, de dificuldades; coisas de grande utilidade, mas decididamente de natureza inferior.

E ele agora, terminado o serviço da repartição, queria saber se não me poderia ser útil nalguma coisa!

Para dizer a verdade, eu devia sentir-me comovido até às lágrimas.





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