Desta prática passou-se a outra, perguntando o que se chamava Vivaldo ao nosso fidalgo, por que motivo andava armado daquela maneira, por terra tão pacífica.
— O exercício que professo — respondeu D. Quixote — não me deixa jornadear de outra maneira.
O bom passadio, o regalo, e o descanso inventaram-se para os cortesãos mimosos; mas o trabalho, o desassossego e as armas fizeram-se para aqueles que o mundo chama cavaleiros andantes, dos quais eu, ainda que indigno, sou um, e o mínimo de todos.
Apenas tal lhe ouviram, ficaram-no desde logo tendo por desconsertado do juízo; e para examiná-lo melhor, e reconhecer que gênero de desvario era o seu, tornou Vivaldo a perguntar-lhe que vinham a ser cavaleiros andantes.
— Nunca leram Vossas Mercês — respondeu D. Quixote — os anais e histórias de Inglaterra, que tratam das famosas façanhas do Rei Artur, a quem geralmente em nosso romance castelhano chamamos o Rei Artus, e de quem é tradição, antiga e comum em todo aquele reino da Grã- Bretanha, que não morreu, mas sim que por arte de encantamento se converteu em corvo, e que, andando os tempos, há-de outra vez reinar, recobrando o seu reino e cetro, sendo por esta razão que ninguém é capaz de provar que desde então até hoje inglês nenhum tenha morto corvo? Pois bem; em tempo daquele bom Rei foi instituída aquela famosa ordem dos cavaleiros da Távola Redonda, e ocorreram (como pontualmente ali se conta) os amores de D. Lançarote do Lago com a Rainha Ginevra, sendo neles medianeira e sabedora aquela tão honrada D.