Quintanhona, donde procedeu aquele tão sabido romance, e tão decantado em nossa Espanha, de:
Nunca fora cavaleiro de damas tão bem servido, como fora Lançarote de Bretanha arribadiço; com toda a mais série, tão doce e suave, das suas amorosas e fortes façanhas. Pois desde então se foi de mão em mão dilatando aquela ordem de cavalaria, por muitas e diversas partes do mundo. Nela foram famosos, e conhecidos por seus feitos o valente Amadis de Gaula, com todos os seus filhos e netos até à quinta geração; o valoroso Felismarte de Hircânia; o nunca assaz louvado Tirante-el- Blanco; e quase já em nossos dias vimos, ouvimos, e tratamos, ao invencível e generoso cavaleiro D. Belianis de Grécia. Ora aqui está, meus senhores, o que é ser cavaleiro andante; e o que referido tenho é a ordem da sua cavalaria, na qual (como também já disse) eu, ainda que pecador, fiz profissão; e o mesmo que professaram os cavaleiros mencionados professo eu também; por isso ando por estas solidões e descampados buscando as aventuras, com ânimo deliberado de oferecer o meu braço e a minha pessoa à mais perigosa que a sorte me deparar, em ajuda dos fracos e necessitados.
Por tudo isto, acabaram os ouvintes de se inteirar da falta de juízo de D. Quixote, e da espécie de loucura que o dominava; do que os tomou a mesma admiração, que a todos os que pela primeira vez a presenciavam.
Vivaldo, que era sujeito mui discreto, e de gênio alegre, para suavizar o fastio do pouco espaço que diziam lhes restava ainda para andar até à serra da sepultura, quis dar-lhe ocasião para que levasse por diante os seus desatinos, e disse-lhe:
— Parece-me, senhor cavaleiro, que a profissão de Sua Mercê é das mais apertadas que há no mundo; e persuado-me de que nem a dos frades cartuxos é tão rigorosa.