— Seja quem for — respondeu D. Quixote — cumprirei o que sou obrigado e o que me dita a consciência, segundo o que professado tenho.
E, tornando-se à donzela, continuou:
— Levante-se a vossa grande formosura, que eu já daqui lhe concedo o que lhe aprouver pedir-me.
— O que peço é — disse a donzela — que a vossa magnânima pessoa venha logo comigo onde eu o levar, e me prometa não se intrometer em outra aventura nem requesta alguma antes de me dar vingança dum traidor que, contra todo o direito divino e humano, me tem usurpado o reino que era meu.
— Outorgado — respondeu D. Quixote — e assim podeis, senhora, perder de hoje para sempre a melancolia que vos fatiga, e fazer que a vossa esmorecida esperança recobre novos brios e força, que com a ajuda de Deus, e a do meu braço, cedo vos vereis restituída ao vosso reino, e sentada no trono do vosso vasto e antigo estado, apesar e despeito de quantos velhacos vos pretenderem empecer; e mãos à obra, que bem se diz que no tardar costuma estar o perigo.
A necessitada donzela forcejou quanto pôde por lhe beijar as mãos; mas D. Quixote, que em tudo era comedido e cortês cavaleiro, de sorte nenhuma o consentiu, antes a fez levantar, e abraçou com muita cortesia e acatamento, e ordenou a Sancho que aparelhasse Rocinante, e o armasse logo num repente.
Sancho despendurou as armas, que se achavam como troféu, pendentes duma árvore, e, ensilhando o cavalo, num volver de olhos pôs o amo prestes. Este, vendo-se pronto, disse:
— Vamo-nos daqui em nome de Deus a favorecer esta grande senhora.
De joelhos estava ainda o barbeiro, tendo grande conta em disfarçar o riso e em que lhe não caísse a barba, que se lhe cai talvez se lhe malograsse tudo; mas, vendo já conseguido o seguro e bom despacho, e a diligência de D.