Com estas explicações entregou o barbeiro de boa vontade à vendeira o rabo de boi, e ao mesmo tempo lhe foram também restituídos todos os mais adminículos que ela lhe havia emprestado para o auto da libertação de D. Quixote. Todos os da venda se maravilharam da formosura de D. Dorotéia e não menos da boa presença do pastor Cardênio. Mandou o cura lhes arranjassem para comer o que na venda houvesse; o vendeiro, com a esperança de melhor paga, lhes aparelhou aguçoso um repasto não de todo displicente. D. Quixote continuava ainda a ressonar; entendeu-se geralmente, que era melhor não o acordarem, por lhe ser de mais proveito por então descanso que alimento.
Levantada a mesa, falou-se entre o vendeiro, a vendeira, a filha, Maritornes e todos os caminheiros, da esquisita loucura de D. Quixote, e de como da outra vez lhe tinha ali aparecido. Referiu a hospedeira o que passara com ele e com o arrieiro, reparando se não andaria por ali perto Sancho; não o vendo contou por miúdo o caso do manteamento, o que para todos foi sobremesa do maior apetite; e dizendo o cura que os livros de cavalaria é que haviam transtornado o juízo a D. Quixote, respondeu o vendeiro:
— Não sei como tal pudesse acontecer; em verdade que, segundo eu entendo, leitura melhor não a pode haver no mundo. Para aí tenho eu dois ou três livros desses com outros papéis, que me têm regalado a vida; não só a mim, como a outros muitos. Quando é pelas aceifas, recolhem-se aqui nas sestas muitos segadores, e sempre entre eles há algum que saiba ler; agarra-se num destes livros, pomo-nos à roda dele mais de trinta, e ouvimo-lo com tamanho gosto, que é como lançarmos um milheiro de cãs fora. De mim ao menos sei eu dizer que, em ouvindo contar aqueles furibundos e tremendos golpes, descarregados pelos cavaleiros, dão-me zinas de fazer como eles.