— Tal qual como eu — disse a vendeira — porque são os únicos bocadinhos bons que tenho nesta casa os em que estás a ouvir ler estas coisas: ficas tão embasbacado, que nem de ralhar te lembras.
— É a pura verdade — acudiu Maritornes; — assim Deus me ajude, como eu gosto também de ouvir aquelas coisas; são muito lindas, e mais quando contam, que está a outra senhora à sombra dumas laranjeiras abraçada com o seu cavaleiro, e uma velha a guardá-los, morta de inveja e toda sobressaltada; digo que tudo aquilo para mim são favos de mel.
— E a vós que vos parece, senhora donzela? — disse o cura dirigindo-se à filha dos vendeiros.
— Não sei, meu senhor — respondeu ela; — eu também escuto com atenção, e ainda que realmente não entendo bem, gosto de ouvir, não só golpes com que meu pai se regala, mas aquelas lamentações que fazem os cavaleiros quando estão apartados de suas damas. A mim chegam-me às vezes a fazer chorar de pena delas.
— Aposto que se elas chorassem por vós, senhora donzela — disse Dorotéia — estimaríeis bem remediá-las.
— O que faria não sei — respondeu a moça; — o que sei é que tão cruéis são algumas daquelas senhoras, que os seus cavaleiros lhes chamam tigres, leões, e outras mil imundícies. Valha-me Deus! não sei que gente é aquela tão desalmada e falta de consciência, que, por não atenderem a um homem honrado, o deixam morrer ou dar em doido; não sei para que são tantos melindres; se o fazem por honradas, casem-se com eles, que eles não desejam outra coisa.
— Cala a boca, menina — disse a vendeira; — quem te ouvir há-de lhe parecer que sabes muito dessas coisas; a donzelas não fica bem serem tão sabidas e falarem assim.
— Como este senhor me perguntou — respondeu ela — não pude deixar de lhe dizer o que entendia.