Capítulo 37: CAPÍTULO XXXVI - Que trata de outros sucessos raros que na taverna sucederam.
Página 406
liberdade: condescendência por ti tão mal agradecida, como bem claro o patenteia encontrares-me no lugar onde me encontras, e eu ver-te da maneira que te vejo; contudo não quero que te venha à imaginação haverem sido desonrosos os passos que me trouxeram a este sítio, pois os que dei até aqui foram unicamente movidos pelo sentimento doloroso de me ver de ti esquecida. Quiseste que fosse tua, e de tal modo o quiseste, que, ainda que o não queiras agora, já não será possível que deixes de ser meu. Repara, senhor meu, que o amor que te dedico pode ser recompensa da nobreza e formosura pelas quais queres deixar-me: não podes tu ser da bela Lucinda, porque és meu, nem ela pode ser tua, porque é de Cardênio; mais fácil será, se acaso bem o considerares, que possas trazer a tua vontade de novo ao amor daquela que te adora do que encaminhar a vontade da que te aborrece, e obrigá-la a que bem te queira. Tu não ignoraste a minha qualidade, tu solicitaste a minha inteireza, aproveitaste-te do meu descuido, e muito bem sabes tudo quanto se passou para eu ceder à tua vontade; e por isso não te resta modo algum para agora te arrependeres ou pretenderes que te enganaste: e, sendo isto verdade, como é, e sendo tu tão bom cristão como és cavaleiro, qual pode ser o motivo por que demoras com tão longos rodeios tornar-me venturosa no fim como no princípio me tornaste? E se acaso me não queres por tua legítima e verdadeira esposa, que é o que eu na realidade sou, deves ao menos querer-me e admitir-me por tua escrava, que na conta de venturosa e bem andante me hei-de ter uma vez que eu chegue a ser tua. Não consintas em que publicamente seja infamada a minha honra, deixando-me e abandonando-me. Não prepares uma tão má velhice a meus pais, pois
|