a não merecem ter aqueles que sempre fizeram, como bons vassalos, tão leais serviços aos teus antepassados; considera que pouca ou nenhuma fidalguia existe no mundo que não tenha andado por este caminho, e que a nobreza que vem pelas mulheres nada faz contra a ilustração das mais distintas famílias, por onde deves convencer-te de que a nobreza do teu sangue não há-de aniquilar-se pela mistura do meu: quanto mais que a verdadeira nobreza consiste principalmente na virtude, e se esta a ti te falta, negando-me aquilo a que tão justamente estás obrigado, as vantagens de nobre que tu possuis hás-de perdê-las, e hão-de passar todas para mim: finalmente, senhor meu, dir-te-ei por último que, ou tu queiras ou não queiras, a tua esposa sou eu, e disto dão testemunho as tuas palavras, que não foram mentirosas, nem agora o devem ser, se porventura não acontece que tu prezas na tua pessoa aquilo mesmo que desprezas na minha: o teu escrito, que em meu poder existe, é a prova mais clara daquilo que me prometeste na ocasião mesma em que chamavas o céu por testemunha da promessa que me fazias; mas quando nada de tudo quanto tenho dito possa valer, apelo para a tua consciência íntima, a qual, pintando-te vivamente a verdade das minhas palavras, não deixará de por muitas vezes te afligir, roubando-te metade das tuas alegrias e perturbando-te a miúdo os gozos e contentamento da tua vida.
Assim falou a lastimada Dorotéia, e foram tantas as suas lágrimas e tão doloroso o sentimento que manifestou, que os próprios companheiros de D. Fernando e todos os que estavam ali presentes choraram com ela.
D. Fernando a escutou sem lhe responder uma só palavra até que ela acabou de falar dando começo a tantos soluços e suspiros, que somente um coração de bronze se não enterneceria com presenciar dor tão grande e tão profunda.