D. Quixote, ouvindo o que disse Dorotéia, voltou-se para Sancho, e, com mostras duma grande cólera, lhe disse:
— Agora te digo eu, meu Sanchinho, que és o velhaquinho mais descarado de toda a Espanha: diz-me, ladrão vagabundo, não me asseguraste, ainda há pouco, que esta princesa se havia mudado em uma donzela chamada Dorotéia, e que a cabeça, que cortei ao gigante, era a pata que te pôs, isto junto com outros disparates tais, que me puseram na maior confusão pela qual hei passado em todos os dias da minha vida? Juro (e ao dizer isto levantou os olhos para o céu e apertou os dentes), que estou para fazer em ti um estrago tamanho, que ponha o sal na moleira a todos quantos escudeiros mentirosos hajam de servir daqui em diante aos cavaleiros andantes do mundo inteiro.
— Acalme-se Vossa Mercê, meu senhor bom — disse Sancho — pois bem pode haver acontecido que eu me enganasse no que respeita à mudança da senhora princesa de Micomicão; porém naquilo que respeita à cabeça do gigante, ou pelo menos aos furos dos odres, e ao ser vinho tinto o sangue derramado, por Deus que me não enganei pois os odres ali estão todos esburacados perto da cama de Vossa Mercê, e o vinho tem feito do seu aposento um verdadeiro lago; e se não, ao fritar dos ovos o verá, quero dizer, que o verá quando aqui o senhor vendeiro lhe der em rol a conta do que Vossa Mercê lhe deve: enquanto a que a senhora rainha seja ainda a mesma que dantes era, no íntimo da alma me alegro eu com isso, porque hei-de ter rasca na assadura, como membro que sou da família.
— Agora te digo eu, Sancho — respondeu D. Quixote — que és completamente um parvo, e perdoa-me e basta.
— Basta — disse então D. Fernando — e não se fale mais nisto; e pois que a senhora princesa