Capítulo 39: CAPÍTULO XXXVIII - Em que se continua o discurso que fez D. Quixote sobre as armas e as letras.
Página 431
e dos letrados, que são em tal caso os juízes competentes: ouçamos agora o que respondem as armas, as quais dizem que sem elas não podem manter-se as leis, porque são as armas as defensoras naturais da república, as conservadoras dos reinos, as defensoras das cidades, e as que asseguram o trânsito das estradas contra os perigos a que pode achar-se exposto, e varrem os mares da peste dos corsários, que muitas vezes o infesta; e nisto parece-me estar pelas armas a razão, pois sem o auxílio delas as monarquias, as repúblicas, os caminhos de mar e terra, tudo estaria sempre exposto ao rigor e confusão duma desordenada guerra, a qual enquanto durasse traria consigo a licença que é o seu natural privilégio e usaria livremente das suas forças, uso sempre nocivo aos que a sofrem: e é coisa bem averiguada e certa, que aquilo que mais custoso é em maior estima deve ser tido: alcançar alguém a eminência das letras, coisa é que custa tempo, vigílias, fome, nudez, vágados de cabeça, padecimento de estômago e outras semelhantes a estas, que já em parte deixo apontadas; mas chegar a ser um bom soldado custa tudo isto por que passa o estudante, e em grau tanto mais subido, porque a cada passo se acha no risco de perder a vida, o que torna impossível a comparação entre o militar e o letrado: e que receio de precisões ou de pobreza pode afligir o estudante, que chegue ao que tem o soldado, quando em um cerco é mandado fazer a guarda em um parapeito ou revelim e pressente que o inimigo está fazendo uma mina direita ao lugar por ele ocupado, e que a sua honra e o seu dever militar lhe vedam arredar-se um passo da posição onde se acha, nem lhe permitem esquivar-se ao perigo que tão próximo se lhe apresenta? O que somente pode fazer é dar parte
|